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O abuso do direito de reclamação na web e o dano à imagem da Marca

por | junho 2022

Situação muito comum em tempos de Internet e redes sociais é a utilização desses canais por uma imensidão de consumidores para realizarem reclamações relativas a um determinado produto ou serviço, relatando defeitos ou insatisfações. Alguns consumidores/ clientes descobriram uma forma alternativa de resolverem os problemas decorrentes da relação de consumo efetuando reclamações no ambiente digital, como um atalho para as soluções que deveriam ser obtidas nos Tribunais. 

Como as redes sociais são um meio muito eficiente para  vender bens e divulgar serviços, acredita-se que  aqueles empreendedores ou prestadores de serviços que se utilizam desses meios, certamente não desejarão ver-se expostos por reclamações de clientes insatisfeitos e quando isso ocorre, o pensamento é a imediata tentativa de resolver a queixa.

Porém, essas reclamações podem conter um excesso que extrapola os limites do Direito de reclamar e configurar um dano à imagem do prestador de serviço ou fornecedor, a ponto de contaminar negativamente a imagem, o que sempre repercute na Marca daquele empreendimento contra o qual se reclama. Neste caso, quem sofre o dano é o empreendedor,  alvo da reclamação.

Esta circunstância pode gerar o Direito do Reclamado de demandar judicialmente o reparo ao dano material e moral causado pela Reclamação considerada abusiva por excesso de linguagem o que retira a legitimidade do direito de livre manifestação de pensamento, como exemplificam algumas decisões, cujos trechos destacamos  abaixo:

“CIVIL. CONSUMIDOR. PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL. HONRA OBJETIVA. VIOLAÇÃO. PUBLICAÇÃO EM REDE SOCIAL E EM SITIO DE RECLAMAÇÕES DE CONSUMIDORES. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral, diz a súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça. E não poderia ser diferente, as pessoas jurídicas podem sofrer à sua honra objetiva, que consiste na opinião que as outras pessoas têm dela, sem que se cogite em aferir elementos subjetivos inerentes à pessoa humana. O dano moral é a privação ou lesão de direito da personalidade, independentemente de repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero mal-estar, dissabor ou vicissitude do cotidiano., sendo que a sanção consiste na imposição de uma indenização, cujo valor é fixado judicialmente com a finalidade de compensar a vítima, punir o infrator e prevenir fatos semelhantes que provocam insegurança jurídica. O excesso de linguagem em publicações nas redes sociais e sítios de reclamações de consumidores desborda da mera exposição do pensamento para tornar-se ofensa à honra objetiva, inobstante tratar-se de pessoa jurídica, amplamente divulgada na internet, com a intenção confessada de compeli-la a realizar sua vontade, configura dano moral. O quantum, que deverá observar as seguintes finalidades: compensatória, punitiva e preventiva, além do grau de culpa do agente, do potencial econômico e características pessoais das partes, a repercussão do fato no meio social e a natureza do direito violado, obedecidos os critérios da equidade, proporcionalidade e razoabilidade. Embora a divulgação de uma reclamação na internet tenha uma abrangência que não se pode precisar o tamanho, as empresas que colocam produtos e serviços no mercado estão naturalmente sujeitas a críticas e reclamações. O que não se admite, e que efetivamente configurou o ilícito, é o excesso de linguagem apto a ofender indevidamente a reputação da pessoa jurídica de maneira significativa.” ( TJDFT – APC 20140111789662) 

ou 

“Na espécie, o Tribunal de origem se manifestou nos seguintes termos: 

Em que pese à argumentação defendida pelo apelante, com base no suposto aborrecimento/frustração experimentado pela compra de veículo supostamente com defeito da segunda ré, no caso específico, a sua conduta extrapolou o bom senso e o direito a livre manifestação de pensamento.

Isto porque, pelos elementos de provas, com destaque para os documentos de fls. 3, 76, 84, 85, 86/99, 111/122, 177, 189/196, 242/251, demonstram que as demandadas deram as devidas tratativas e demonstraram interesse na resolução do problema mecânico no veículo do autor que, diga-se de passagem, apresentava mais de 100.000 quilômetros rodados e 3 anos de uso.

Logo, não parece razoável, a despeito do inconformismo e insatisfação do consumidor, que este venha a vociferar por meio de publicações nas redes sociais e sites de empresas de apoio ao consumidor (www.reclameaqui.com.br – fl. 10), textos/comentários de teor ofensivo e que extrapolam a mera reclamação, como se infere dos excertos extraídos da inicial (destaques no original):

[…] Logo, indiscutível que tais atos são potencialmente capazes de trazer prejuízos e prejudicar a credibilidade das empresas, pelo que desnecessário o uso das expressões utilizadas nas publicações (“covardes”, “sem vergonhas”, “dissimulados”, “enganadoras”), além de insinuar a falta de honestidade e incompetência destas, sem contar que alardeou, em tom intimidatório, que sua reclamação não se limitaria ao plano judicial (consta o ingresso de ação indenizatória nº 1007168-56.2017.8.19.0320, perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Limeira), mas externaria também para “(…) as mídias sociais, revistas especializadas e somente como um alerta irei reportar o descaso, desprezo e despreparo técnico e administrativo com os clientes da marca SUBARU para os EUA e JAPÃO” (fl. 6), fato que extrapola o bom senso e o direito a liberdade de expressão…[…] Assim, no caso específico, escorreita a condenação do demandado na reparação por danos morais pelo valor delimitado na sentença, pois não foi alvo de irresignação pelas partes, já que, da forma retratada nas publicações, ficou demonstrada nítida intenção ofensiva à reputação das empresas autoras, fato que, sem dúvida, coloca em riscos as relações com seus clientes/consumidores.Enfim, resulta evidente que ilicitude da conduta do apelante gerou abalo a honra subjetiva das autoras, a despeito de se tratar de pessoas jurídicas, nos termos da Súmula 227 do C. Superior Tribunal de Justiça: ” A pessoa jurídica pode sofrer dano moral ” (fls. 382/390).” ( STJ – AREsp 1896551).

O que se conclui dos trechos acima transcritos  é que, por mais evidente que seja o direito de reclamção e manifestação de opinião,  deve-se observar cuidados mínimos para  não impor  contra o reclamado um dano grave e que consiste em uma espécia de  “pena” mais dura do que a efetivamente devida, se é que é devida. Isto pode ser considerado fazer justiça com as próprias mãos, o que é vedado pela Lei.

Nesse sentido, as reclamações de clientes insatisfeitos  devem observar limites para possuírem legitimidade. Por exemplo, devem ser feitas de forma  privada, sempre que possível nos canais oferecidos pelo Reclamado. Caso essa reclamação não encontre resposta, não é dado o direito ao Reclamante para servir-se das redes sociais para publicar críticas de conteúdo ofensivo ou que tenha a finalidade de manchar a imagem e reputação do reclamado.

Caso isso ocorra, surge para a Empresa o direito de obter a reparação civil dos danos que sofreu com a reclamação ofensiva, através de Ação Indenizatória. Essa mesma ação pode conter pedido de obrigação de fazer para a exclusão dos comentários que considere danosos e por fim, determinar que o reclamante causador da ofensa se abstenha de publicar novas reclamações sob pena de multa.

Silvia Helena Britto

Silvia Helena Britto

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