Privacidade e análise de risco atuarial
A utilização de Big Data oferece oportunidades significativas para as empresas em diversos segmentos em termos de digitalização dos canais de distribuição e maior conhecimento dos clientes, o que é fundamental para uma identificação mais eficaz do perfil de consumo e risco do indivíduo, bem como para a melhoria da competitividade.
No entanto, são necessárias medidas regulatórias para um uso adequado do Big Data em respeito à privacidade, discriminação potencial e restrição à concorrência.
Como todos os mercados, também as seguradoras direcionam seus investimentos em inovação e desenvolvimento em novas aplicações tecnológicas, proporcionando uma integração eficaz com os sistemas tradicionais de coleta e distribuição de dados.
No entanto, a inovação tecnológica e o uso de Big Data lançam dúvidas e discussões sobre os inúmeros riscos que podem gerar para os indivíduos. A coleta e armazenamento de dados sensíveis e a capacidade de analisar o comportamento único e coletivo, dada a possibilidade de processar muitas informações, representa uma ameaça potencial à privacidade de cada um de nós. Os principais problemas estão relacionados ao caráter pessoal dos dados analisados e ao uso de dispositivos pessoais para sua aquisição, considerando que os dados, muitas vezes, são coletados de forma involuntária.
Novas tecnologias já são capazes de tornar a classificação menos dispendiosa e muito mais sofisticada. As empresas podem aproveitar enormes quantidades de dados e, assim, construir perfis de risco de seus clientes utilizando uma gama de informações agora disponíveis a baixo custo.
Além do uso específico do gênero, idade e de outras variáveis, como raça e religião, o Big Data pode resultar na possibilidade de discriminar categorias sensíveis com base, por exemplo, no risco de tipo genético ou nos hábitos de vida através dos dados coletados.
É evidente a necessidade de atenção por parte das autoridades reguladoras para o potencial contraste com a privacidade, bem como para o risco de algumas formas de discriminação contra determinadas categorias de clientes.
O Big Data é derivado, em grande parte, dos dispositivos móveis disponíveis, bem como da interação e troca de mensagens através das redes sociais e aplicativos oferecidos de forma gratuita – com o único objetivo de cadastro de dados e coleta de informações pessoais.
Cada vez mais dados estão envolvidos: cadastrais e biométricos, oriundos de uma sociedade que vive hoje em vigilância constante, gerando preocupações sobre os riscos de novas formas de invasão à privacidade que podem resultar de uma customização mais pontual e analítica.
Em movimento crescente, as legislações pelo mundo e suas Autoridades de Proteção de dados vem recomendando e impondo a aplicação de uma abordagem transparente, que permita aos utilizadores, titulares dos dados pessoais, compreenderem a finalidade do tratamento dos dados que lhes dizem respeito, como são colhidos e como serão utilizados.
Determinam importantes regras para o maior cuidados com os dados, quais sejam: controle do usuário sobre os dados fornecidos como, por exemplo, a possibilidade de oposição incondicional ao tratamento (opt-out); mecanismos corporativos, visando assegurar que as operações de dados estejam de acordo com as normas vigentes e, desenvolvimento de softwares facilitadores da privacidade para que os interessados tenham transparência e garantia de controle sobre seus dados.
A regulação adequada da relação entre Big Data e privacidade não pode ser fragmentada da questão da transparência, dos objetivos a serem perseguidos pelas empresas, principalmente seguradoras, pelas autoridades e por todos aqueles que detêm dados relevantes e sensíveis, como dados de saúde, por exemplo.
A quantidade de coleta de informação, facilita a capacidade de segmentar clientes em potencial que pode ter resultados diferentes para consumidores que antes eram considerados como pertencentes a um grupo de risco genérico. Dependendo das decisões tomadas por algoritmos utilizados, , uma maior capacidade de segmentação do conjunto de riscos pode resultar na abertura de novas linhas de negócios para clientes específicos que poderiam ter sido excluídos da cobertura, mas também pode resultar na impossibilidade de beneficiar alguns clientes, não oferecendo a cobertura securitária desejada.
Em relação a concorrência, a grande questão é como o Big Data afeta a capacidade dos consumidores de pesquisar e, finalmente, comprar os produtos de seguro que melhor atendem às suas necessidades. De outro modo, o Big Data afeta o comportamento de como as empreses oferecem seus produtos e interagem entre si e com fornecedores terceirizados para aprimorar e direcionar pela demanda.
De qualquer forma, do ponto de vista da concorrência, as empresas são incentivadas a adquirir informações para definir classes de risco de forma cada vez mais precisa e, nesse sentido, a possibilidade de coletar e analisar Big Data pode ser aprimorada pela prática de troca de informações. Nessa ótica, a troca de informações sobre as características de risco dos clientes pode melhorar a qualidade dos contratos e aumento de lucro.
Importante ressaltar aqui alguns desafios do ponto de vista da regulação de proteção de dados e concorrência: em primeiro lugar, a coleta de dados não deve afetar a privacidade dos indivíduos, em segundo lugar, a classificação dos riscos, ao mesmo tempo que melhora a eficiência do mercado, não deve constituir um constrangimento à concorrência e, em terceiro lugar, o uso de dados sobre a vida pessoal do titular não deve ser um instrumento de discriminação e de exclusão de direitos.
Dispositivos inteligentes e outros avanços tecnológicos significarão mais dados atuariais para desenvolvimento de novos produtos e ofertas que serão comercializados nesse mercado.
A questão é equilibrar os interesses em jogo.
Fontes:
- Revista Jurídica de Seguros nº 5
- Reinventing Capitalism in the Age of Big Data – Viktor Mayer-Schönberger e Thomas Ramge
- A Vida na Sociedade da Vigilância: a Privacidade Hoje – Stefano Rodotà
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